Bicampeão mundial pela seleção brasileira de futebol !
O senhor chegou
Não. O time foi campeão paulista em 1935 e depois só em 1955. Eu joguei no São Paulo F.C. de Pindamonhangaba na época em que era estudante. Depois fui para Taubaté, em 1950, e fiquei lá por dois anos. Foi quando o Dr. Maneco, delegado regional de Taubaté, que era um homem apaixonado pelo futebol, mudou-se para Santos e “fez uma propaganda”, dizendo que conhecia um jogador com o perfil do time. Assim, eles acabaram convidando eu e o Hugo (meia esquerda muito talentoso), para jogar no Santos. O Dr. Maneco foi meu padrinho. Estávamos entrando para o Campeonato Paulista, que era uma das mais importantes competições que tinha na época. Isso foi um grande passo!
E naquela época, certamente, era difícil acreditar no sonho de ser jogador, pois não se ganhava dinheiro como hoje... Sua família o apoiou?
O sonho de ser um grande jogador, independia das dificuldades. Era uma paixão...
Vamos esclarecer: ser jogador naquela época, não era uma questão de ganhar ou não ganhar dinheiro, era uma profissão como outra qualquer. Precisava de talento e vontade de fazer aquilo que realmente gostava...
Quando recebi a minha primeira proposta, minha mãe quis ler o contrato. Ela sempre me apoiou mesmo com dor em seu coração. Queria ver o filho crescer. Não era muito diferente do Taubaté. Era um time médio, mas aos poucos foi crescendo e contratando novos talentos. E quando o técnico Lula (Luiz Alonso), que comandava o time do “Juniores”, assumiu o “profissional”, mudou toda a estratégia de trabalho.
Mudou em que sentido?
O Lula apostava em um time mais jovem e com jogadores de qualidade. Também contou com muita sorte, porque conseguiu reunir um grupo fantástico, do qual faziam parte Pepe, Coutinho, Pagão, Pelé, Dorval e muitos outros jogadores.
E como foi vencer o Botafogo
Foram dois jogos. Primeiro tomamos de três a um. Depois fizemos uma reunião secreta, sem o treinador. Estávamos no alto do Corcovado, concentrados para o jogo do domingo. “O Dorval vai marcar o Zagalo“, para não deixar ele jogar. O Botafogo havia mudado o esquema tático, e nós precisávamos de uma nova estratégia. Nós ganhamos de 5 x 0 no domingo. Um detalhezinho. Olha como muda o negócio (risos). Nós nunca contamos sobre a reunião para o Lula, mas ele era esperto e deixava a gente conversar.
Foi o melhor treinador que você teve?
Acho que sim, ficou 12 anos no clube e ganhou quase todos os campeonatos que comandou. Seu potencial era indiscutível.
E nessa época, o grande freguês do Santos era o Corinthians?
Era! Foram 11 anos sem ganhar da gente. Comentei isso em um programa de TV, que os corinthianos pediam para gente ganhar de pouco. Não devia ter falado. Se encontro um corinthiano na rua, ele vai me massacrar (risos). Mas é verdade! Porém foi o melhor adversário que já tivemos. Não porque perdiam sempre, mas porque eles próprios admiravam nosso time, aliás, todo mundo.
O senhor saiu em que ano do Santos?
Eu parei de jogar em 1967. Quando o Corinthians conseguiu vencer o Santos, em 1968, eu estava no alambrado, assistindo o jogo... O Paulo Borges, atacante do Rio de Janeiro, contratado pelo Corinthians, conseguiu mudar o time do Corinthians, e eles ganharam do Santos por 2 X 0. Foi uma festa e um alívio para eles!
E como foi que o Pelé chegou ao clube?
O Valdemar de Brito, ex-jogador da seleção brasileira, era treinador do Baquinho (Bauru) e trabalhava com o Pelé. Ele disse ao Presidente do S.F.C. da época, o Athiê Jorge Cury, que conhecia um menino fera, e que iria levá-lo para que a gente o conhecesse.
Como foi esse primeiro contato com o Pelé?
A nossa curiosidade era conhecer o “grande ídolo” Valdemar de Brito. O Pelé naquela época era apenas um menino que estava chegando, com terno azul marinho... Brincamos com ele, e acabou ficando conosco, morando na concentração. Aos poucos foi fazendo amizade e mostrando o futebol dele. O Pelé é o cara de maior sorte no Brasil. Em 1956, ele ainda estava no Juniores, quando o Vasconcelos, que era o melhor atacante que nós tínhamos, do meio pro fim do campeonato, quebrou a perna num jogo contra o São Paulo. O Lula promoveu o Pelé para o time profissional. Aí, em 1957, foram convocados os jogadores para a seleção. Se o Vasconcelos não tivesse sofrido aquele acidente, o Pelé não seria o que é hoje dentro do futebol. Uma “fatalidade” que mudou a vida dele e a história do Santos.
E como foi participar desse grupo? O senhor comandava a equipe, não é?
Para mim foi maravilhoso. Eu era jovem, estava começando, mas era meio chato! O treinador não podia entrar no campo, nem os reservas. Então, ficava onze contra onze. E eu era o “sargento”, porque alguém tinha que tomar conta lá dentro do campo, né? Era exigente nos treinos, dava exemplos, conselhos...
Eu já ouvi de gente que jogou bola com o senhor, que quem ouviu seus conselhos, hoje está bem... O que o senhor dizia?
Obrigava a comprar apartamento, investir bem o dinheiro. Não era muito dinheiro, mas as coisas também não eram caras. O Dorval, por exemplo, chegou a ter 15 apartamentos. Todos nós tínhamos uma situação razoável para a época. Na diretoria, era eu quem dava a cara para bater, representava os jogadores
O que “sabemos” é que o Santos não conquistou mais mundiais e libertadores nas décadas de 1950 e 1960 porque vocês abriram mão. Era vantajoso jogar no exterior?
Em partes sim. Apesar da Libertadores ser uma bela conquista, não dava lucro para os clubes.
E aquela história de que o Garrincha tinha comprado um aparelho de rádio e depois vendido. Que ele era um “mané”, é tudo papo furado, não é?
É! Mas a historia do rádio é verdadeira! Comprar um rádio na Suécia que só fala sueco! Não prestava!!! Não passou de uma grande brincadeira. Ele era um gozador, não levava nada a sério. Era o meu parceiro de quarto. Uma vez perguntei para ele, onde guardava o dinheiro e me disse que era no colchão. Era uma pessoa muito simples, foi um grande amigo. Um jornalista escreveu uma vez que quebrei a perna dele, mas era tudo mentira, não quebrei a perna de ninguém! Perguntaram para mim, se eu achava que o Garrincha era o melhor... Foi, sem dúvida alguma, um dos melhores!!!
Certa vez, o técnico Feola escalou o Julinho Botelho para jogar no lugar do Garrincha. Só que foi
Mas, o Julinho Botelho não foi campeão do mundo, não é?
Não, porque ele foi vendido para o Fiorentina. Naquela época, não convocavam quem ia pra fora do país.
Em 1962, no Chile, o Garrincha jogou demais...
Foi a copa dele. O Pelé se machucou no primeiro jogo e saiu. Ficamos com 10. E o Garrincha fez gol de direita, de esquerda, de cabeça, deu passes para fazer gol. Fez tudo que sabia. Era muito bom! Foi um espetáculo!
Você jogou com um cara polêmico, o Almir Pernambuquinho. Ele era louco mesmo?
Não! Ele era bravo, valente. No campeonato sul-americano, ele foi brincar com o goleiro dos argentinos, eu não estava jogando porque tinha me machucado. Ele caiu com o goleiro, que deu um soco nele, ele acabou dando um soco no argentino. Veio o zagueiro Willian Martini, pegou ele e colocou do outro lado. E aí foi um pau danado. Foi todo mundo em cima, pra bater neles. Virou uma guerra. Brigaram os onze. Até o seu Feola, que estava do meu lado, quis pegar o banquinho e ir pra lá. Eu disse: “Seu Feola, senta aí!” (risos). “Deixa que eles se arrumem”.
Naquela final contra o Milan, no Maracanã, ele deu um tapa na cara do zagueiro italiano antes de começar o jogo...
Ele era provocador, né? E bravo! Mas jogou muita bola.
É verdade que o Pelé obedecia ao senhor?
Não é que ele obedecia. É que eu pegava no pé de todos eles dentro do campo, e eles ouviam. Tem um detalhe: Como era capitão e tinha certo acesso na diretoria, eu ia lá chorar para aumentar o salário desse e daquele. Cada semana era um!
O senhor foi capitão do melhor time do Brasil...
Meus dois primeiros jogos na seleção foram de reserva do Dino Sani. O Belini era uma pessoa que todo mundo respeitava, e foi muito bem. Deu certo. Ninguém nunca o viu na baderna, tinha tudo para ser o capitão. Em 1962, foi o Mauro, que foi muito bem também, porque ganhou, né? Se perde, não presta (risos). Ele era o capitão, mas no meio do campo, eu continuei falando do mesmo jeito.
Qual foi a emoção de ganhar a copa de 1958 (Suécia) e 1962 (Chile)? Foi a mesma coisa?
A de 1958 foi a primeira, fora do Brasil, num país estranho. Foi o melhor campeonato!
O título de 1958 foi a coisa mais importante para o futebol brasileiro, porque o Brasil não tinha tradição em Copas do Mundo. Essa conquista provocou uma mudança no futebol do país.
Essa seleção é mais importante que a de 1970, na copa do México?
A de 1970 foi muito, muito boa. Só tinha fera. Falando de futebol, ela foi melhor. Mas a de 1958 foi a que trouxe alegria para o Brasil, e o país estava precisando de alegria.
O Dr. Paulo Machado de Carvalho, dirigente do futebol brasileiro, foi fundamental na parte de organização da equipe?
Ele foi fundamental. Na verdade, foi ele quem comandou mesmo a seleção. Durão, exigente, mudou a formação de uma seleção que era marcada pela desorganização. Cada um ia para um lado. Com ele no comando, isso não acontecia.